“... viram Jesus caminhando sobre as águas e se aproximando do barco. Os discípulos ficaram com medo...” |
A fé sempre foi à filha do medo.
O medo impulsionou Pedro para fora do barco. Ele já tinha navegado entre aquelas ondas. Sabia do que essas tormentas eram capazes. Tinha ouvido outras histórias, visto naufrágios. Conhecia as viúvas. Ele sabia que a tempestade poderia matar e, então, sentiu vontade de sair dali.
Durante toda a noite ele quis escapar dali. Por nove horas,
foi arrastado com o barco, lutou com os remos e buscou esperança em cada sombra
que aparecia no horizonte. Estava ensopado até a alma e cansado do lamento de
morte trazido pelo vento.
Olhe para os olhos de Pedro e você não conseguirá enxergar um
homem de convicção.
Procure sua face e não encontrará um semblante forte. Mais
tarde, sim, vai vê-lo com coragem no jardim, testemunhar sua devoção no
Pentecostes e contemplar sua fé nas epístolas.
Mas não nessa noite. Olhe para seus olhos, agora, e veja o
medo; um temor sufocante e trepidante de um homem que não tinha saída.
Mas desse medo nasceria um ato de fé, pois a fé é a filha do
medo.
"O temor do Senhor é o princípio da sabedoria",
escreveu o sábio.
Pedro poderia ter sido a ilustração do sermão acima.
Se Pedro tivesse visto Jesus caminhar sobre as águas durante
um dia calmo e pacífico, você acha que ele teria andado até Jesus?
Nem eu.
Se caso o mar estivesse calmo, sem ondas, como se fosse um
tapete, e a viagem agradável, você acha que Pedro teria implorado para que
Jesus o tirasse dali e o fizesse passear sobre as ondas? Duvido.
Mas, dê a alguém uma opção de escolha entre a morte certa e
uma oportunidade maluca, e verá que a oportunidade sempre será a escolhida.
Grandes atos de fé raramente nasceram de um planejamento ou
de um cálculo frio.
Não foi a lógica que fez Moisés erguer seu cajado nas margens
do Mar Vermelho.
Não foi uma pesquisa médica que convenceu Naamã a mergulhar
sete vezes no rio.
Não foi o bom senso que fez Paulo abandonar a Lei e abraçar a
graça.
E não foi um comitê secreto que orou numa pequena sala em
Jerusalém para libertar Pedro da prisão. Foi um grupo de crentes temerosos,
desesperados, que se sentiram pressionados contra a parede. Foi uma igreja sem
opções. Uma congregação de “joão-ninguém” pedindo por ajuda.
E mais do que nunca eles foram fortes.
No princípio de um ato de fé, há sempre uma semente de medo.
As biografias de discípulos corajosos sempre iniciam com
capítulos de puro pânico.
Temor da morte, do fracasso, da solidão, de uma vida vã, de
fracassar em conhecer a Deus.
A fé começa quando você vê Deus na montanha, mas você mesmo
está no vale e sabe que está muito fraco para subir. Consegue enxergar o que
está precisando... o que tem... e descobre que o que tem não é suficiente para
realizar qualquer coisa.
Pedro deu o melhor de si. Porém, o seu melhor não era o
bastante.
Moisés tinha um mar em sua frente e um inimigo nas suas
costas. Os israelitas poderiam muito bem nadar ou lutar, mas nenhuma das opções
era o bastante.
Naamã tinha experimentado outros métodos de cura e consultado
adivinhos. Viajar uma longa distância para se meter em um rio de lama não tem
muito sentido quando existem rios cristalinos em seu quintal. Mas, que opções
ele tinha?
Paulo tinha perfeito conhecimento da lei, era mestre do
sistema. Mas um olhar para Deus o convenceu de que sacrifícios e símbolos não
eram o bastante.
A igreja em Jerusalém sabia que não havia esperança de
libertar Pedro da prisão. Eles tinham cristãos que poderiam lutar, mas eram
poucos. Tinham armas, mas não eram potentes. Não precisavam de músculo,
precisavam de milagre.
E Pedro também. Ele estava consciente de dois fatos: descia
cada vez mais enquanto o Senhor Jesus se levantava. E sabia onde queria estar.
Não há nada errado com essa reação. A fé que se inicia com o
temor terminará mais próxima ao Pai.
Já faz algum tempo que fui para o oeste do Texas falar no
funeral de um grande amigo da família. Ele tinha criado cinco filhos. Um de
seus filhos, Paul, contou uma história sobre uma das mais antigas memórias que
tinha sobre seu pai.
Era primavera lá no Texas, ou seja, a estação dos tornados.
Paul tinha somente três ou quatro anos de idade naquela época, mas se lembrava
claramente do dia em que um tornado atingiu sua pequena cidade.
Seu pai arrastou as crianças para dentro da casa e as fez
deitar no chão, enquanto ele mesmo deitava-se sobre um colchão em cima deles.
Porém, o pai não estava protegido. Paul se lembrou de ter espiado por debaixo
do colchão e visto seu pai de pé ao lado de uma janela aberta, assistindo a
nuvem afunilada sacudir e destruir tudo ao longo da pradaria.
Quando Paul viu seu pai, sabia onde queria estar.
Desvencilhou-se dos braços da mãe, engatinhou para fora do colchão e correu
para abraçar as pernas do pai. — Algo me dizia, continuou Paul — que o lugar
mais seguro para estar quando há uma tormenta era perto do meu pai. Algo havia
dito a mesma coisa para Pedro.
— "Se é o senhor mesmo, Senhor,” — Pedro disse
"mande que eu vá andando em cima da água até onde está."
Pedro não estava testando Jesus; ele estava clamando. Pisar
sobre um mar agitado não é um gesto muito lógico; é um gesto de desespero.
Pedro agarrou-se na beirada do barco, colocou uma perna para
fora... e depois a outra.
Alguns passos foram dados. Era como se existisse um caminho
de rochas sob seus pés. No final do caminho estava a face luminosa do amigo que
sempre o encorajava.
Nós fazemos a mesma coisa, não é verdade? Chegamos até Cristo
em horas de grande necessidade. Abandonamos o barco das boas obras.
Descobrimos, assim como Moisés, que a força humana não pode nos salvar. Olhamos
para Deus desesperadamente. Percebemos, assim como Paulo, que todas as boas
obras do mundo são insignificantes quando colocadas diante do único Perfeito. Descobrimos
como Pedro, que transpor o buraco entre nós e Jesus é uma façanha muito grande
para o nosso pequenino pé. Então, imploramos por ajuda. Ouvimos sua voz e damos
o passo com medo, esperando que nossa pouca fé seja suficiente.
A fé não nasce ao redor de uma mesa de negociações, onde
barganhamos nossos dons em troca da bondade de Deus. A fé não é uma recompensa
dedicada para quem aprendeu melhor a lição. Não é um prêmio dado ao mais
disciplinado. Não é um título herdado pelo mais religioso.
A fé é um mergulho desesperado para fora do barco do esforço
humano, que está naufragando; é uma oração pedindo que Deus esteja lá para nos
resgatar de dentro da água. Paulo escreveu sobre esse tipo de fé na carta aos
Efésios:
"Pois é pela graça de Deus que vocês foram salvos, por
meio da fé que vocês têm. Vocês não salvaram a si mesmos. A salvação vem de
Deus como um dom, e não como o resultado das obras que alguém fez, para que
assim ninguém se orgulhe".
Paulo é bem claro. A força suprema da salvação é a graça de
Deus. Não nossas obras, nem nossos talentos, muito menos nossos sentimentos e
nossa força.
A salvação é a presença repentina e calma de Deus em meio ao
mar agitado de nossas vidas.
Ouvimos sua voz e, então, damos o passo.
Nós, assim como Paulo, estamos cientes de duas coisas: somos
grandes pecadores e precisamos de um grande Salvador.
Nós, assim como Pedro, estamos cientes de dois fatos: estamos
afundando enquanto Deus está se levantando. E assim, começamos a escalar, deixamos
para trás o Titanic da autocorreção e nos firmamos no caminho sólido da graça
de Deus.
E, surpreendentemente, somos capazes de caminhar sobre as
águas. A morte está desarmada, os fracassos são perdoáveis, a vida tem um
propósito real. E Deus não está apenas à nossa vista, mas ao nosso alcance.
Com passos direcionados, porém trêmulos, nos aproximamos
dele. Por um momento de força surpreendente, nós nos firmamos sobre suas
promessas. Não faz sentido sermos capazes de realizar isso. Não pedimos para sermos
dignos de tal dom incrível. Quando as pessoas perguntam como mantemos nosso
equilíbrio durante tempos de tormenta, não nos gabamos. Não nos vangloriamos.
Apontamos, sem nenhuma vergonha, para Aquele que torna tudo isso possível.
Nossos olhos estão nele.
E assim é como cantamos: "Nem trabalho, nem penar pode o
pecador salvar; só tu podes bom Jesus, dar-me vida, paz e luz".
Declaramos também: "Em nada ponho a minha fé, senão na
graça de Jesus; no sacrifício remidor, no sangue do bom Redentor."
E, explicamos: "Foi à graça que ensinou o temor ao meu
coração, e aliviou os meus medos."
Alguns de nós, diferentemente de Pedro, nunca olhamos para
trás.
Outros, assim como Pedro, sentem o vento e se assustam.
Talvez estejamos enfrentando o vento do orgulho: "Afinal
de contas, eu não sou um pecador tão mau assim. Olhe para o que eu posso
fazer."
Ou pode ser o vento do legalismo: "Eu sei que Deus está
tomando conta de parte disso, mas eu tenho que cuidar do resto."
A maioria de nós, no entanto, encara o vento da dúvida:
"Eu sou muito ruim para Deus me tratar desse jeito. Não mereço ser
resgatado."
E para baixo nós vamos. Com o peso do reboque da mortalidade,
afundamos. Arquejando e nos debatendo, caímos num mundo escuro e úmido. Abrimos
os olhos e vemos somente a escuridão. Tentamos respirar, mas não existe ar.
Batemos mãos e pés para conseguirmos voltar à superfície.
Com as cabeças quase para fora da água, temos de tomar uma
decisão.
Os orgulhosos perguntam: "Devemos esconder nossa face e
nos afogar no orgulho? Ou devemos gritar por ajuda e pegar na mão de
Deus?".
Os legalistas questionam: "Devemos afundar sob o peso da
Lei? Ou devemos abandonar os códigos e implorar por graça?".
Os duvidosos perguntam: "Devemos alimentar nossas
dúvidas com murmurações do tipo, “Eu realmente o desprezei dessa vez?” ou
esperamos que o mesmo Cristo que nos chamou para fora do barco, nos chamará
também para fora do mar?".
Sabemos qual foi à decisão de Pedro.
“... e começou a afundar e gritou: Salve-me, Senhor!”
“E Jesus imediatamente estendeu a sua mão, o segurou...”
Também conhecemos a escolha de outro marinheiro numa outra
tempestade.
Embora separado por dezessete séculos, esse marinheiro e
Pedro se aproximam muito por várias notáveis semelhanças:
• Ambos ganharam a vida no mar.
• Ambos encontraram o Salvador após uma longa batalha em meio
a tempestade.
• Ambos, temerosos, encontraram o Pai e seguiram-no com fé.
• Ambos saíram do barco e se tornaram pregadores da Verdade.
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