sábado, 24 de março de 2012

O Juiz


... que mora dentro de nós.



Todos nós, mesmo que nunca tenhamos observado com clareza, já pudemos sentir as conseqüências de nosso autojulgamento. 

Ele sempre nos massacra, nos condena e nos impõe uma punição.

Há um juiz dentro de nós e que foi ali colocado pela sociedade, com a nossa própria permissão, que é um verdadeiro obsessor, ou seja, é uma entidade originária de nossa própria criação.  

Ele não faz parte de nossa essência, mas é uma construção social, para que você, como ser único e individual se adapte e se molde às regras sociais, pois se você não viver de acordo com as normas da sociedade, você poderá causar problemas a ela.

Na infância, o juiz interno pouco se manifesta, pois ele ainda está em construção.

Nesta época, os maiores juízes são os externos:
  • Os pais, professores, padres, etc., que pensam poder moldar-nos e de certa forma criam um núcleo de manipulação, agindo em nós através da culpa e do medo.


À medida que vamos crescendo, vamos incorporando ao nosso interior, ou melhor, ao nosso ego, todos aqueles pré-julgamentos e julgamentos que nos fizeram e que de uma certa forma aceitamos e permitimos que exerçam influência em nossa forma de agir e pensar.

Aí, neste exato ponto é que começamos a nos autotorturar, por esta entidade criada, que não tem vida própria, que precisa ser alimentada a todo o tempo, que faz parte de nosso ego e é capaz de ditar-nos regras.

Se tentarmos reagir a estas regras e imposições sentiremos uma dor profunda que vem do sentimento de culpa, da condenação.

O Juiz tem muitas frases prontas, que coloco aqui somente para exemplificar:
  • Isso não se faz!.
  • Faça o que é certo!.
  • Isso não é educado!
  • Você será condenado!
  • Você tem que....
  • Afinal, você nasceu para que?


O juiz não lhe dá paz, coloca rótulos, tem leis, martelo. 



Ele vigia você vinte e quatro horas por dia.

Como nós não conseguimos nos enquadrar em todos os padrões e leis, nos sentimos culpados.

Carregamos culpa e condenação que podem se somatizar com o passar do tempo, pode nos deixar vivendo longe de nossa própria essência, numa vida de mentiras.

Somos seres únicos, anormais, disfarçados de gente comum, usando máscaras a todo tempo.


Quanto mais maduro é o espírito, mais você reage, observa e tentar impor o que é natural à sua alma, mais você se livra das máscaras, mais você se torna “esquisito” socialmente.

Amadurecer em espírito significa, em linhas gerais, livrar-se do ego, permitindo que a verdadeira alma se manifeste.

A vida é um tremendo jogo de imagens.

Vemos monstros fora de nós e acabamos por encontra-los dentro. 

Experimentamos a nós mesmos nos outros.

Achamos que a imagem que fazemos das coisas exprime a realidade.



Vemos uma pequena fração e entendemos que seja o todo. Somos juízes dos outros, porque reconhecemos este “julgar” em nosso interior, ou seja, procedemos com os outros da mesma forma que procedemos com nossa própria pessoa.

Queremos ser juízes do próximo e para isso fazemos uso da crítica, isso nos torna aparentemente poderosos, faz com que momentaneamente em nossa ilusão, nossos problemas desapareçam ou fiquem infinitamente menores.

Alimentamos nosso juiz, julgando e criticando o outro.

Os juízes internos e externos são responsáveis pela formação da nossa auto-imagem.

Quanto mais nos sentirmos culpados e condenáveis, mais agiremos e mostraremos em nossas atitudes um pano de fundo de baixa estima.

À medida que permitimos que esta parte de nosso ego se mostre mais eficiente, mais teremos uma imagem pequena, restrita, acanhada de nosso ser, tornando-nos pessoas limitadas em ações e vivências, permeando numa mesmice angustiante, pois dentro de nós, alguma coisa clama por liberdade.

Outra entidade criada pela sociedade é o “coitado”, filho mais novo do Juiz.

Este ser, tão pequenino, tão pobrezinho, tão indefeso, vive sentindo-se vítima de tudo e de todos.

Não é capaz de olhar para si, assumindo responsabilidades por seus atos, sentindo-se muito pequeno em relação aos demais, pois é conveniente existir “vítimas” na sociedade, para que ela possa parecer justa.

Há aqueles que se acomodam e se acostumam a viver na escuridão.

Há mesmo quem se ajeite em viver aparentemente feliz na infelicidade, quem faz da miragem uma realidade, mesmo sabendo que aqueles castelos são feitos de areia.

Passam assim por várias vidas dormindo em plena existência, optando, mesmo sentindo-se angustiado, pela segurança em lidar com a dolorida ilusão, que pelo menos lhe é conhecida.

Enfim, todos nós temos ao nosso alcance o poder de escolha e isso nos pertence.

Podemos passar por muitas vidas, permitindo que o juiz e demais outras facetas do ego interfiram em nossas vidas sem nunca questiona-los e observa-los.

Não há mudança real sem observação.

Não é possível manifestar nossa essência, alimentando consciente ou inconscientemente nosso ego.

O caminho para o desaparecimento do ego é uma noite escura, é uma via sacra.

É preciso romper os muros da falsa segurança que o ego construiu e lançar-se no desconhecido caminho do autoconhecimento.

Sem esse trabalho interior, continuaremos a viver como marionetes na sociedade, sendo comandados, manipulados por um ou vários grupos sociais que nada tem a ver com a evolução do espírito e muito tem a ver com os próprios interesses em manter regras absurdas do “bem viver”.

Eliane de Pádua



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