quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Abaixo o Regime


“Porque as Gordas Salvarão o Mundo”


Um dia desses, cometi a aventura de ir à feira do meu bairro.

Meu amigo Valdemar Cavalcanti é testemunha de que não minto, porque lá nos encontramos,  sacola à mão, olho vivo nas frutas e nas hortaliças.


Mais do que o custo da vida ou a qualidade dos legumes, o que me impressionou foi verificar que havia poucas mulheres gordas naquela multidão de donas de casa atarefadas, matinal e encantadoramente desalinhadas.

Poucos dias depois, porém, tive a grata satisfação de ver a massa feminina que acorreu à Feira da Providência.



Por alguns minutos, postei-me na Rua Jardim Botânico, junto de um ponto de ônibus – e vi então, vi com meus olhos, que o saldo de gordas ainda é dos mais positivos.

Na feira do bairro, para salvar o meu mandamento da necessidade de enxúndias femininas, só encontrei uma preta velha, de andar de pata choca.

Era uma preta soberba, arrastando suas oito arrobas de carnes e dignidades.


Fazia-se acompanhar de uma pretinha serelepe, uma moleca à antiga, que ia recolhendo o dourados pomos da terra que a matrona de ébano apalpava com familiaridade e pachorra antes de comprar.



A cena tinha um sabor de séculos idos e vividos.

Foi aí que atentei então para a desastrada, terrível e letal mania que se apossou de nosso tempo.

Refiro-me à obsessão de emagrecer.

Qualquer um de vocês pode verificar que as mulheres de hoje, mais do que de crianças e de criadas, falam de regimes para perder peso.



O regime, as mil e uma variações e modas em torno desse tema sinistro entopem oitenta por cento das conversas femininas e começam a ameaçar os próprios homens.



De repente, não mais que de repente, como no soneto de Vinícius, todo mundo foi tomado desse complexo de sílfide magricela e seca!

Daí a alegria com que vi desfilar a multidão que acorria à Feira da Providência.



Pude constatar meio tranquilizado, que ainda há gordas, grandes, refolhudas e pachorrentas gordas nestes tempos esquálidos e perversos.


E aqui estou agora para cantar o louvor das gordas.

Precisamos urgentemente acabar com essa mania de emagrecer.

É bom que as mulheres engordem.


É essencial que haja mulheres gordas num povo que quer ser dono de um destino.

Todas as civilizações são gordas.

Gordas do Renascimento, felizes e fartas flamengas, musas de Rubens, anjos roliços, mães redondas de todas as épocas, romanas corpulentas.

Ó gordas cheias e generosas, inspirai-me para provar que não há civilização magra sem condenar-se à esterilidade, à avareza e à morte!



Assim como o Universo é redondo (e se não é, devia ser), como o Infinito é redondo, como Deus é redondo, redonda deve ser a feminilidade, fonte da vida.

Gordas vorazes, dadas à vida com paciência e alguma aflição.

Que coisa mais abominável pode haver do que uma avó que se recusa a engordar?


Pois a isto chegamos, pelo menos nas chamadas classes altas da sociedade.

As mulheres fogem dos quilos fatais como o diabo da cruz.


E não comem, proscrevem o açúcar (daí o horror às receitas de doces domésticos, fator de estabilidade do lar), esfalfam-se em massagens, em ginásticas, em banhos turcos e saunas.

Vivemos tropeçando nelas, nessas falsas magras que trazem no rosto desfigurado e fantasmal os estigmas da gordura que traíram com sacrifício desumano e deslealdade diabólica.

O regime para emagrecer é  o grande pecado de nossa época.

É preciso proibir urgentemente a indústria que prospera à base do emagrecimento compulsório.



Família sem mulher gorda é família que não permanece unida.

Em suma, vivam as gordas!



Libertai-vos, rebelai-vos vocações de gordas!

O mundo precisa de vós. 

O Brasil confia em vossas enxúndias sadias e maternais.

Gordas de todo o mundo, uni-vos!



Sedes subversivas por um instante, indo contra a vossa pacata natureza paciente e boa:

ABAIXO O REGIME!

Eliane de Pádua

Por Otto Lara Resende

Imagens
Quadros da artista plástica curitibana Letícia Rosa.

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