“Porque as Gordas Salvarão o Mundo”
Um
dia desses, cometi a aventura de ir à feira do meu bairro.
Meu
amigo Valdemar Cavalcanti é testemunha de que não minto, porque lá nos
encontramos, sacola à mão, olho vivo nas
frutas e nas hortaliças.
Mais
do que o custo da vida ou a qualidade dos legumes, o que me impressionou foi
verificar que havia poucas mulheres gordas naquela multidão de donas de casa
atarefadas, matinal e encantadoramente desalinhadas.
Poucos
dias depois, porém, tive a grata satisfação de ver a massa feminina que acorreu
à Feira da Providência.
Por
alguns minutos, postei-me na Rua Jardim Botânico, junto de um ponto de ônibus –
e vi então, vi com meus olhos, que o saldo de gordas ainda é dos mais
positivos.
Na
feira do bairro, para salvar o meu mandamento da necessidade de enxúndias
femininas, só encontrei uma preta velha, de andar de pata choca.
Era
uma preta soberba, arrastando suas oito arrobas de carnes e dignidades.
Fazia-se
acompanhar de uma pretinha serelepe, uma moleca à antiga, que ia recolhendo o
dourados pomos da terra que a matrona de ébano apalpava com familiaridade e
pachorra antes de comprar.
A
cena tinha um sabor de séculos idos e vividos.
Foi
aí que atentei então para a desastrada, terrível e letal mania que se apossou
de nosso tempo.
Refiro-me
à obsessão de emagrecer.
Qualquer
um de vocês pode verificar que as mulheres de hoje, mais do que de crianças e
de criadas, falam de regimes para perder peso.
O
regime, as mil e uma variações e modas em torno desse tema sinistro entopem oitenta
por cento das conversas femininas e começam a ameaçar os próprios homens.
De
repente, não mais que de repente, como no soneto de Vinícius, todo mundo foi
tomado desse complexo de sílfide magricela e seca!
Daí
a alegria com que vi desfilar a multidão que acorria à Feira da Providência.
Pude
constatar meio tranquilizado, que ainda há gordas, grandes, refolhudas e
pachorrentas gordas nestes tempos esquálidos e perversos.
E
aqui estou agora para cantar o louvor das gordas.
Precisamos
urgentemente acabar com essa mania de emagrecer.
É
bom que as mulheres engordem.
É
essencial que haja mulheres gordas num povo que quer ser dono de um destino.
Todas
as civilizações são gordas.
Gordas
do Renascimento, felizes e fartas flamengas, musas de Rubens, anjos roliços, mães
redondas de todas as épocas, romanas corpulentas.
Ó
gordas cheias e generosas, inspirai-me para provar que não há civilização magra
sem condenar-se à esterilidade, à avareza e à morte!
Assim
como o Universo é redondo (e se não é, devia ser), como o Infinito é redondo,
como Deus é redondo, redonda deve ser a feminilidade, fonte da vida.
Gordas
vorazes, dadas à vida com paciência e alguma aflição.
Que
coisa mais abominável pode haver do que uma avó que se recusa a engordar?
Pois
a isto chegamos, pelo menos nas chamadas classes altas da sociedade.
As
mulheres fogem dos quilos fatais como o diabo da cruz.
E
não comem, proscrevem o açúcar (daí o horror às receitas de doces domésticos,
fator de estabilidade do lar), esfalfam-se em massagens, em ginásticas, em
banhos turcos e saunas.
Vivemos
tropeçando nelas, nessas falsas magras que trazem no rosto desfigurado e
fantasmal os estigmas da gordura que traíram com sacrifício desumano e
deslealdade diabólica.
O
regime para emagrecer é o grande pecado
de nossa época.
É
preciso proibir urgentemente a indústria que prospera à base do emagrecimento
compulsório.
Família
sem mulher gorda é família que não permanece unida.
Em
suma, vivam as gordas!
Libertai-vos,
rebelai-vos vocações de gordas!
O
mundo precisa de vós.
O Brasil confia em vossas enxúndias sadias e maternais.
Gordas
de todo o mundo, uni-vos!
Sedes
subversivas por um instante, indo contra a vossa pacata natureza paciente e
boa:
ABAIXO
O REGIME!
Eliane
de Pádua
Por Otto Lara
Resende
Imagens
Quadros da artista
plástica curitibana Letícia Rosa.
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