Nova raça de homens |
Em todas as profecias está prevista a
destruição do mundo.
Todas as profecias dizem que o homem criará
sua própria destruição.
Porém os séculos e a vida que sempre se
renovam criariam também uma geração de amantes e sonhadores...
Homens e mulheres que não sonharam com a
destruição do mundo, e sim com a construção do mundo das mariposas e dos
rouxinóis.
Desde pequeninos vinham marcados pelo amor.
Por trás de sua aparência cotidiana guardavam
a ternura e o sol da meia-noite.
Suas mães os encontraram chorando por um
pássaro morto e mais tarde muitos foram encontrados mortos como pássaros.
Estes seres coabitaram com mulheres
translúcidas e elas ficaram prenhes de mel e de filhos reverdecidos por um
inverno de carícias.
Foi assim que proliferaram no mundo os
portadores de sonhos, atacados ferozmente pelos portadores de profecias que falavam
de catástrofes.
Foram chamados iludidos, românticos,
pensadores de utopias, disseram que suas palavras eram velhas!
... E de fato eram porque a memória do paraíso
é antiga no coração do homem...
Os acumuladores de riquezas os temiam e
lançavam seus exércitos contra eles, mas os portadores de sonhos faziam amor
todas às noites e do seu ventre brotava a semente que não somente portava
sonhos, mas que os multiplicavam e os fazia correr e falar.
E assim o mundo criou de novo a sua vida da
mesma forma que havia criado os que inventaram a maneira de apagar o sol.
Os portadores de sonhos sobreviveram aos
climas gélidos e nos climas quentes pareciam brotar por geração espontânea.
Quem sabe as palmeiras, os céus azuis, as
chuvas torrenciais tiveram a ver com isso, a verdade é que, como formiguinhas
operárias estes espécimes não deixavam de sonhar e construir mundos formosos...
Mundo de irmãos, de homens e mulheres que se
chamavam companheiros, que se ensinava a ler uns aos outros, consolavam-se
diante da morte, se curavam e se cuidavam entre si, se ajudavam na arte de
querer e na defesa da felicidade.
Eram felizes em seu mundo de açúcar e de vento
e de todas as partes vinha gente impregnar-se de alento e de suas claras
percepções e de lá partiam os que os haviam conhecido portando sonhos, sonhando
com novas profecias que falavam de tempos de mariposas e rouxinóis...
Onde o mundo não haveria de findar na
hecatombe, mas onde os cientistas desenhariam fontes, jardins, brinquedos
surpreendentes para fazer mais gostosa à felicidade do homem.
São perigosos - imprimiam as grandes rotativas
São perigosos - diziam os presidentes em seus
discursos
São perigosos - murmuravam os artífices da
guerra
Devem ser destruídos - imprimiam as grandes
rotativas
Devem ser destruídos - diziam os presidentes
em seus discursos
Devem ser destruídos - murmuravam os artífices
da guerra.
Os portadores de sonhos conheciam seu poder e
por isso nada achavam de estranho...
E sabiam também que a vida os havia criado para
proteger-se da morte que as profecias anunciam!
E por isso defendiam sua vida até a morte
E por isso cultivavam os jardins de sonhos e
os exportavam com grandes laços coloridos...
E os profetas obscuros passavam noites e dias
inteiros vigiando as passagens e os caminhos procurando essas cargas perigosas que
nunca conseguiram encontrar porque quem não tem olhos para sonhar não enxerga
os sonhos nem de dia, nem de noite.
E no mundo sucedeu um grande tráfico de sonhos
que os traficantes da morte não podiam estancar; em todas as partes há pacotes
com laços de fita que só esta nova raça de homens pode ver...
E a semente destes sonhos não se pode detectar
porque está envolta em corações vermelhos ou em amplos vestidos de maternidade onde
pezinhos sonhadores sapateiam nos ventres que os carregam.
Dizem que a terra depois de havê-los parido desencadeou
um céu de arco-íris e sopraram de fecundidade as raízes das árvores.
Nós sabemos que os vimos...
Sabemos que a vida os criou para proteger-nos
do futuro que as profecias anunciam.
Eliane de Pádua |
Gioconda Belli
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