Conta-se que dois homens
caminhavam lado a lado.
Um era jovem, trazia consigo os
sinais da inexperiência. Tinha olhos vivos e atentos a tudo, como quem quer
aspirar à vida em um só fôlego. Desejava modificar o mundo, revolucionar sua
época, ensinar o muito que julgava saber.
O outro trazia no semblante as
marcas do tempo e já não queria tomar o mundo, contentava-se em aprender um
pouco, aqui e ali, analisando, sereno, as experiências que a vida lhe
apresentava.
Tampouco desejava deixar suas
marcas nos homens e nas coisas que o rodeavam. Não queria discípulos, nem
seguidores, e não pretendia modificar ninguém, a não ser a si próprio.
Era cego de nascença. Porém,
apesar de ter os olhos do corpo fechados, possuía abertos os da alma.
Vinham em silêncio quando o jovem,
surpreso, exclamou:
- Uma pipa! Uma pipa no céu!
Por que está tão alegre em vê-la,
ainda que distante? Perguntou o cego.
É que toda vez que vemos uma pipa,
uma só idéia nos assalta a alma:
- A idéia da liberdade e, qual de nós não valoriza a possibilidade de sentir-se livre? Disse o jovem.
Liberdade? Questionou o homem.
Estranho, para mim a pipa tem outro significado.
Outro significado? Como? Sabe o
que é uma pipa?
Sim, meu amigo, eu sei o que é uma
pipa, papagaio, pandorga, como queira chamar.
Pois a imagem desse objeto me traz
à mente a idéia de responsabilidade e bom senso.
Não entendo... disse o
jovem.
E o homem falou com sabedoria:
- O exercício da liberdade é complexo e fundamental em nossas vidas. Todavia, como você pode perceber, a pipa tem uma liberdade muito relativa, graças ao fio no qual está presa.
Por vezes, o desejo de liberdade
nos faz ver as coisas de um ponto de vista muito acanhado e perdemos a noção de
limites.
Muitas pessoas acreditam ter
liberdade ilimitada, mas estão presas ao chão pelos fios invisíveis dos vícios
de toda ordem.
Há aqueles que estão presos aos
bens transitórios do mundo, como se fossem pássaros cativos em gaiolas de
ouro.
Há os que não conseguem romper com
os fios do orgulho e do egoísmo, que os impedem de alçar o vôo definitivo, rumo
à liberdade.
Os que não conseguem desatar os
nós prejudiciais do desejo de posse sobre familiares e amigos, amargando
séculos de infelicidade.
Há aqueles que estão presos pelas
correntes poderosas da prepotência, do preconceito, da ambição desmedida, dos
desejos sexuais desenfreados.
Dessa maneira, meu jovem, muitas
vezes os olhos nos enganam.
Não basta enxergar, é preciso ver
além.
É preciso perceber que sem romper
com os vícios que nos prendem ao solo, a liberdade é impossível.
Foi por essa razão que Jesus, o
grande Sábio da humanidade afirmou:
“conhecereis a verdade e a verdade
vos fará livres”.
Conhecendo e reconhecendo a sua
destinação divina, a sua condição de filhos da luz, os homens farão esforços
para cortar as amarras que os retém em mundos inferiores, para alçar o vôo
definitivo da liberdade sem limites.
Eis, meu filho, a minha maneira de
ver o que significa realmente a liberdade.
O jovem deu o braço ao cego,
calou-se, e, em silêncio, entregou-se a profundas reflexões.
Pense nisso com carinho!
Eliane de Pádua |
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