Era a semana antes do Natal...
O primeiro a perceber foi um dos
duendes do setor de pesquisa. Ele saiu da sala, carregando um notebook, um
monte de papel impresso e gritando:
– Reunião!
Todo mundo para a sala de reunião!
Não era fora do comum àquela confusão na fábrica do Papai
Noel, ainda mais na reta final.
Por onde se olhasse, duendes carregavam
materiais, brinquedos que não passavam no teste de qualidade, cartas que
chegaram atrasadas, ração extra para as renas, e outras urgências para o grande
dia.
Mas essa correria era diferente. O duende da pesquisa sentou
na sala de reunião, ligou o notebook no projetor e já estava deitando números
antes mesmo dos duendes responsáveis por outras áreas chegarem. O duende do
setor administrativo acalmou o pesquisador:
– Calma, deixa todo mundo chegar.
Aí, entraram pela porta da sala de reuniões os duendes da
contabilidade, do marketing, do RH, do financeiro, do comercial, do
atendimento, da produção foram se
colocando ao longo da mesa de reunião.
Claro que a ausência do Papai Noel, o
presidente em pessoa, foi sentida. Mas o pesquisador já tratou de dizer:
– Eu avisei o Papai Noel, mandei e-mail, mas ele falou que
não era para se preocupar! Como??! É terrível! É calamitoso! É desastroso! É
catastrófico!
– Chega, controle-se! o duende do marketing mandou um olhar severo para o desesperado
empregado o que pode ser tão ruim?
– O ICPN caiu para menos de 50%!
Veja bem, o ICPN é o Índice de Crença no Papai Noel, o indicador que
determina quantas pessoas no mundo ainda acredita no bom velhinho e que faz a
fábrica de brinquedos continuar em funcionamento.
Nem bem o duende terminou a frase, os demais entraram em polvorosa.
Claro, já houve períodos de
baixa, mas nunca para menos da metade das pessoas do mundo. Isso sim era
preocupante.
O duende do administrativo tentou colocar a reunião no rumo e
começou a estabelecer uma pauta:
– Mas como isso aconteceu? Como pudermos deixar isso passar?
– As crianças estão crescendo muito rápido... é a internet, interferiu
o duende do atendimento. Vocês sabiam
que existem 20 comunidades eu odeio o
Papai Noel “no Orkut”? Antigamente era bom
até podia ter uma criança ou outra
que não acreditasse, mas era mais difícil espalhar para as outras... Hoje elas
entram no MSN e ficam se falando, direto!
– Mas e esses pais que trabalham fora de casa quase o dia
inteiro? interveio o responsável pelo RH Eles trabalham, ficam loucos para
ter sucesso nos escritórios e esquecem-se do Natal... Pior, fazem os filhos
esquecerem também!
– Eu falei para vocês ano passado: a gente tinha que investir
na imagem do Papai Noel, fazer a cara dele aparecer na mídia não só no Natal. colocou o gerente de marketing.
– Como se pudéssemos investir muito em promoção! o duende do financeiro atropelava a criançada hoje em dia só querem
eletrônicos! Playstation, computador, vocês sabem quantos pedidos de celulares recebemos este ano? Isso tudo é
caro para produzir, não sobra verba.
– Controle de danos, rapazes interrompeu de novo o administrativo o que podemos fazer para reverter
isso nessa semana ainda? Quero respostas hoje depois do almoço.
Os duendes passaram o resto da manhã rabiscando alternativas.
A queda do ICPN
foi o assunto no refeitório durante o almoço.
Todos estavam muito receosos, pois as perspectivas de emprego
no Polo Norte não eram boas se não trabalhassem lá.
Mas o Papai Noel não demitiria ninguém, demitiria? Mas então,
por que ele não apareceu para dar satisfações para esclarecer tudo?
Os diretores até se perguntavam isso, mas não tinham muito
tempo para tanto, estavam preocupados com os planos.
Após o almoço, o diretor administrativo tomou a frente da
reunião de vez (até sentou na cadeira do chefe) e pediu para que os
departamentos apresentassem os projetos. O marketing começou:
– Como todos sabem, uma empresa prospera com a busca e
conquista de novos mercados. Estamos em um mercado consolidado, o atendemos com
excelência, e devemos expandir. Acho que está na hora de partirmos para os maus
meninos.
– O quê! Você está louco?! Pode parar! As reações variavam,
mas eram todas negativas.
– Senhores, os meninos maus são um grande mercado. Já se foi à
época em que ser bonzinho era o objetivo dessa criançada, eles competem desde
cedo, para virarem adultos competitivos. Não podemos fingir que não vemos.
Os duendes recusaram a proposta do marketing. Mais algumas ideias
foram recusadas, por serem igualmente absurdas ou impossíveis. O marketing, não
querendo desistir da glória de resolver o problema, chamou a agência de
publicidade.
O executivo da agência começou:
– Vocês têm um problema de imagem. O trenó, renas, roupa
vermelha larga, barba branca que nem algodão
tudo muito legal, serviu bem, mas isso ficou lá atrás, é coisa do
passado. Precisamos de um novo conceito em Papai Noel. Um Papai Noel extremo!
– Extremo?! Os duendes se
entreolharam.
– Sim. Esse novo Papai Noel vai ter atitude. O trenó dele vai
ser substituído por um carro envenenado, de preferência um carro que vire um
robô gigante, sabe? Isso seria ótimo. A roupa precisa mudar também, talvez umas
botas de salto, calças pretas de couro e jaqueta motociclista, com um Ray-Ban
bem transado.
Os duendes estavam meio na dúvida, mas a exposição da agência
era muito boa.
O executivo não deu trégua:
– E ele tem que emagrecer. Essa imagem de gordinho não
funciona mais, ele passa a impressão de ocioso, preguiçoso. Como as crianças
vão acreditar que alguém tão grande viaja o mundo inteiro à meia-noite? O nome
vai mudar também; Papai Noel não é nada
extremo. Ele vai ser chamado só de
Noel. Um nome só é moderno, tipo Ronaldinho, Giselle, Britney. Isso sim é extremo, atual, campeão
de vendas.
Os duendes pareceram gostar da ideia, talvez pelo desespero
de encontrar uma solução.
O duende do marketing soltou aquele sorrisinho de vitória que
fazia os outros pegar bronca dele (e ele já até imaginava campanhas para
meninos maus no ano seguinte).
Porém, a secretária do Papai Noel entrou na sala
assim que eles estavam prontos para aprovar a campanha:
– O Papai Noel mandou todo mundo voltar ao trabalho e não
mexer em nada na programação.
A indignação tomou a sala. Como pode o Papai Noel ficar
quieto? 50% de queda no ICPN! Estaria ele ficando senil? Será que alguma empresa
multinacional estava comprando a fábrica do Papai Noel e levando para o México?
Será que Papai Noel estava
falindo?
A semana foi passando, e os duendes mais nervosos ficavam.
O
Papai Noel evitava o assunto, não respondia e-mails que falassem da situação, e
o Natal já estava próximo.
Os duendes chegaram a fazer reuniões secretas para
tentar resolver algo, mas não achavam justo fazer as coisas pelas costas do
chefe.
Enfim, chegou o dia D:
Véspera de Natal
O duende da pesquisa saiu mais uma vez correndo da sala, com
todo aquele material de novo.
Os duendes esperavam o pior, já imaginavam que o
Papai Noel nem precisaria sair com o trenó, já que a essa altura não sobraria
ninguém que acreditasse.
A sala de reunião dessa vez ficou cheia e vários
duendes ficaram do lado de fora, ouvindo e repassando o que seria discutido:
– O ICPN!
– O que aconteceu, o que o setor de pesquisa levantou? Perguntava o administrativo.
– Subiu! Está em 100%!
Os duendes ficaram doidos. Pulavam de alegria pelos
corredores, comemoravam, estouravam champanhe, enchiam a cara de doce. Os
porquês e como não importavam, tinham que deixar tudo pronto para a grande
noite.
Mas nem o duende da pesquisa saberia dizer como o índice
voltou para 100%.
Ele saiu do trabalho no dia 23 com o índice ainda baixo e
voltou no dia 24 com ele no máximo.
Como é da característica de qualquer
profissional de pesquisa (e esse duende era bem metódico), ele não queria ficar
sem uma resposta.
Às 23h30min, quando o Papai Noel se preparava para a grande
viagem, os duendes se reuniram em torno dele e o pesquisador tomou a palavra:
– Papai Noel, como o senhor sabia que o índice voltaria para
os 100% na última hora? O senhor não deixou a gente fazer nada para mudar a
situação, como o senhor podia ter tanta certeza?
– Meus amigos disse Noel enquanto abotoava o paletó
Deixe-me contar uma coisa para vocês:
Por mais difícil que
seja o ano, por mais confuso que esteja o mundo, por mais que as pessoas pareçam
se odiar na rua, por mais que os pais gastem mais tempo em carreiras do que em
famílias, durante pelo menos um dia do ano eles se permitem acreditar no Natal,
acreditar em algo melhor, acreditar que tudo vai ser resolvido no ano seguinte.
Um dia é pouco? Pode até ser, mas enquanto pudermos manter as pessoas acreditando
no Natal e no Papai Noel, vamos trabalhando para que um dia esse sentimento
bom, essa alegria de estar com as pessoas que gosta, esse respeito pelo próximo
dure o ano todo.
Depois desse dia, os duendes nunca mais fizeram reuniões de
emergência, nunca mais andaram nervosos pelos corredores, nunca mais se
importaram com o ICPN; só se preocuparam em fazer as pessoas felizes no dia de
Natal.
E isso era mais que o
bastante!
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Eliane de Pádua |