(a história de
todos nós)
Era uma vez um homem muito simples, chamado João.
João nasceu e cresceu numa fazendinha pequena e pouco produtiva.
Seus pais eram pobres, e não podiam
dar uma vida digna para seus seis filhos.
João, era o filho mais velho, amava
cavalos.
O pai tinha apenas um pangaré, que
João amava.
Em sua infância, João brincou muito
com o pangaré, eram amigos inseparáveis.
A infância de João foi bem simples,
mas muito feliz.
Não tinha quase nada, mas sentia que os
bosques, as árvores, a brisa, as flores, e toda a extensão de terra inóspita em
que vivia lhe pertenciam.
Ele ficava horas correndo livremente
pelos campos, sozinho ou acompanhado pelo seu fiel amigo cavalo.
João, ainda na infância e também na adolescência, tinha muitos sonhos.
Sonhava em ter sua própria fazenda,
criar muitos cavalos e ter muitos outros amigos como seu pangaré de estimação.
Queria continuar vivendo livre e
levando uma vida simples, mesmo que com poucos recursos.
O tempo passou, e o pai de João
acabou falecendo.
João estava agora com 20 anos.
A família se encontrava num dilema.
O provedor havia lhes deixado e
alguém precisava assumir os negócios.
Certo dia, um homem de terno
aparecera em sua fazendinha, e lhe ofereceu um trabalho.
Em troca, João agora responsável pelo
patrimônio familiar, venderia a fazenda.
O homem de terno explicou que se
tratava de um negócio muito lucrativo, e que João deveria apenas revender uma
nova substância alucinógena que era proibida pelo governo.
João a princípio recusou, não queria
fazer nada ilegal.
Sempre fora um homem honesto e de
valores cristãos.
Passados alguns meses, João e sua
família perderam toda a colheita com uma praga que devastou sua plantação.
Haviam perdido tudo.
João sentiu muito medo e decidiu
então que iria procurar o homem de terno novamente.
Mas faria isso apenas por um tempo,
para que pudesse se reerguer, e tão logo ganhasse um pouco de dinheiro,
voltaria a sua vida normal.
Após procurar o homem de terno e acertar
tudo, voltou para casa, deu boa noite a sua família e foi dormir…
Foi uma longa noite…
Amanheceu no dia seguinte.
João abriu a cortina de sua casa e
percebeu que estava em outra casa.
Estava numa residência bem grande,
ampla e muito luxuosa.
Pensou consigo mesmo:
Como posso dormir num local e acordar
em outro?
João olhou-se no espelho e tomou um
grande susto.
Estava com uma aparência de um homem
de 70 anos de idade.
Começou a sentir-se muito angustiado,
teve falta de ar e começou a transpirar.
Por que isso estaria acontecendo?
Como pode alguém dormir aos 20 anos e
acordar aos 70 anos, sem que o tempo tenha passado?
A sensação que lhe dava é que havia
dormido no paraíso e acordado no inferno.
Mas como?
Como isso foi ocorrer?
Por que Deus me fez dormir na minha
fazendinha aos 20 anos de idade, e acordar numa mansão com 70 anos?
João jogou água no rosto e começou a
acordar direito…
Aos poucos foi se lembrando do acordo
que fez com o homem de terno aos 20 anos.
Era um traficante de uma nova
substância, que João começou a revender e foi ganhando bastante dinheiro.
Para expandir o negócio, João fez
acordo com outros jovens para venderem a substância.
Alguns jovens se viciaram, outros
foram presos, outros foram assassinados por rivais, e muitas famílias foram
destruídas com isso.
O tempo passou, o João se tornou um
homem muito rico e poderoso.
Tinha medo de perder o que já havia
conquistado, e por isso fazia de tudo para manter-se no mesmo padrão.
Aos poucos os anos foram passando,
passando, passando… até que João chegou aos 70 anos, nesse momento em que
“acordou” e se percebeu nessa situação decadente.
Estava solitário, deprimido, e
sentindo um vazio interior.
Lágrimas começaram a rolar de seus olhos.
E a fazenda grande, que tanto sonhava
ter?
E seu amigo pangaré, onde estava?
E a criação de cavalos, que era a
coisa que ele mais amava na vida?
Em que momento seus sonhos foram
jogados fora?
Em que momento ele deixou de sentir o
gosto do pão de cada manhã?
Em que momento ele deixou de correr
pelos campos junto com seu amigo cavalo?
Em que momento ele renunciou a si
mesmo, quem ele era de verdade, para viver uma vida de ilusão, sem valores, sem
virtudes e sem princípios, apenas por dinheiro e estabilidade?
Em que momento ele deixou de sentir a
brisa, de beber água da cachoeira, de brincar com seus irmãos menores?
Como ele simplesmente foi dormir,
numa noite de sua juventude, e acordou sem ter nada vivido e aproveitado ao
longo de 50 anos?
Era tão capaz, tinha tantos sonhos,
tanta vitalidade.
Tudo era possível… Eu seria capaz de
ter dado uma reviravolta em minha vida sem precisar me render as quimeras e
vícios do mundo.
João acordou, e lembrou que estava
com câncer.
Havia formado metástase, e estava
perto da morte.
No dia anterior ele havia recebido a
notícia, e esse foi o motivo do súbito despertar.
Mas infelizmente agora era tarde.
Perdera toda a sua vida, e não podia
mais voltar…
Ele então pediu que sua história
fosse contada aqui, para que ninguém cometa o mesmo erro que ele cometeu.
Que erro é esse?
O maior erro do mundo, que é
abandonar a si mesmo, quem somos de verdade, nossos tesouro interior, em troca
das migalhas da ilusão…
Eliane de Pádua