segunda-feira, 28 de setembro de 2015

CONTO "O AMOR ENTRE SOL E LUA"


Antes da existência de qualquer planeta, galáxia ou universo, antes de qualquer vida ou espírito, dois astros vagavam pelas trevas, solitários e sem brilho.

Desconheciam outra existência.

Desaprendiam o sentir.

Andavam a esmo, incertos se os olhos estavam abertos ou fechados, pois não havia luz. 

Muitas vezes passavam perto um do outro, incapazes de ouvir a pulsação de seus corações ou a respiração ofegante de seus narizes.

Quase se tocaram.
Quase se esbarraram.
Quase se notaram…
Quase.

Em uma dessas vezes, porém, antes mesmo do tempo existir, tropeçaram no vazio e bateram de frente. 

Que surpresa! 

Abriram os olhos e as bocas. 
Tropeçaram nas próprias solidões. 

Logo se conheceram, apertaram as mãos, admiraram-se e sorriram à presença um do outro.

Ele se chamava Sol. 


Ela se chamava Lua.

O Sol era um homem bonito, apesar das pálpebras caídas e de algumas rugas perto dos cantos dos olhos, o que não era de todo ruim, pois a Lua gostava.

A Lua também gostava dos seus longos cabelos que, na ausência de luz, eram negros; porém, a verdadeira cor era castanha com nuances de vermelho e laranja, um pouco de amarelo ali e um pouco de branco acolá.

O Sol ria e a sua covinha no queixo aparecia sob a barba. 

A Lua adorava! 

Ela se enamorava por cada detalhe, cada sorriso, cada toque e suspiro.

 A Lua, por sua vez, era toda poesia.

Os seus grandes olhos furta-cores abrangiam toda a beleza jamais vista. Os seus cílios curvavam-se para cima e suas sobrancelhas sorriam junto com os seus lindos lábios vermelhos.

O Sol adorava as suas maçãs do rosto e o jeito como suas bochechas enchiam-se de encantos cada vez que ela gracejava. Ele gostava do nariz e da raiz do cabelo, das marcas em sua face e dos dentes quase perfeitos. O Sol adorava as suas perfeições e imperfeições, suas fases e fragilidades.



Mergulhados na escuridão e esquecidos de suas individualidades, o Sol e a Lua apaixonaram-se intensamente.


Deixaram para trás o deserto no qual viviam e iluminaram o vazio com o primeiro sentimento bom de todo o universo: o amor.

Não havia sentido em ser dois, se podiam ser um.



Não havia sentido em andar separado, se podiam juntar as mãos e desbravar o grande escuro à frente.

Caminharam juntos por uma longa eternidade e mais algumas eras… até que Deus olhou o grande vazio e pintou-o com a sua aquarela.

Deus criou a Luz e separou-a das trevas.


O clarão que saiu de seus dedos deu cor a todo o universo: a Lua ganhou um brilho cândido e terno, o Sol recebeu um brilho intenso e amarelo.

O Sol, quando viu toda a meiguice da Lua e enxergou seus belos traços à luz de sua luz, apaixonou-se novamente.


A Lua, de tão enamorada, foi a única que conseguiu enxergá-lo e abraçá-lo através de tanto brilho. 



O Sol e a Lua presenciaram a separação entre o céu e a terra, a criação das águas e da terra seca, dos seres verdes e dos oceanos.


Durante três dias, os dois dançaram pelo novo universo, trocando juras de amor eterno e prometendo que nunca soltariam as mãos.

No quarto dia, porém, Deus avisou-lhes de seus planos: o Sol iluminaria o dia, a Lua clarearia a noite; caberia aos dois à marcação dos dias, meses e anos de cada calendário, bem como o auxílio aos seres que deles necessitassem; ambos reinariam absolutos no céu, porém separados.

A Lua não aguentou e seus olhos choraram mares de tristeza.


O Sol queimou de aflição e afundou-se em suas cinzas ao ver sua amada sofrer.

Deus, triste, deu-lhes um tempo para o adeus. 



O último abraço do Sol e da Lua escureceu todo o universo, entristeceu as folhas e agitou as águas.


A existência conheceu, pela primeira vez, a desesperança e a saudade, sentimentos criados pelo sofrimento daquela despedida.

Parte da Lua tornou-se escura como a solidão e o Sol perderam todo esplendor que ostentava.

Nenhum abraço foi tão triste quanto este.

O último beijo roubou o perfume das flores e a fertilidade das terras, pois o Sol chorou e as suas lágrimas incendiaram o chão.


Deus, apesar de deprimido, não voltou atrás na decisão: colocou-os em seus devidos lugares e os abençoou. 

Antes de amanhecer, porém, o Sol orou para que a Lua não ficasse sozinha, pois ela era frágil e não suportaria; Deus, piedoso, criou as estrelas para alegrá-la, prometendo que nenhum amor seria de todo impossível.


Quando a criação foi finalizada, cada ser seguiu os seus destinos.

A Lua, acompanhada de suas estrelas, alumiava as noites, tentando esconder as fraquezas denunciadas por suas fases: algumas vezes era feliz; outras, triste. 

O Sol, o astro rei, exibia seu esplêndido brilho e emanava calor a quem precisasse, porém sentia-se perdido e invisível, pois somente os olhos da Lua aguentavam o seu fulgor.


A saudade era indizível, impossível de ser traduzida em palavras, e o Sol e a Lua sentiam-se sós e tristes como se as rosas jamais tivessem povoado a Terra e exalado os seus perfumes pelo ar.



Durante os longos e longos anos de separação, eles até tentaram esquecer um ao outro: o Sol, embora fosse insuportável a diferentes olhos, paquerava algumas nuvens faceiras e outras musas celestes, apesar de o seu coração clamar pela criatura mais linda de todas; a Lua, enciumada, enfeitava-se toda de amor e formosura, conseguindo todos os amantes desejados, nenhum, porém, fazendo-a tão feliz quanto o seu astro rei.


A saudade era tão dolorida que eles tentavam burlar as regras do firmamento.

Certos dias, a Lua subia mais cedo ao céu para vislumbrar o Sol, ainda que de longe.

Os dois fingiam dançar juntos, esquecendo todos os amores e relembrando os dias em que podiam caminhar lado a lado.


Outras vezes, o Sol renascia antes que a Lua dormisse e pedia que as nuvens amigas acariciassem a face tenra da sua amada, pois não podia correr para abraçá-la.

O que é a saudade aqui da Terra se comparada com a do Céu?

As nuvens ainda espalhavam o perfume da Lua pela Via Láctea para que o Sol o sentisse até o seu último suspiro do dia.

Como doía o amor distante!



Em um desses dias em que ambos quebravam as leis do céu, no entanto, enquanto preparava-se para iluminar a outra face da terra e vislumbrava sua amada uma última vez, o Sol relembrou a promessa que o Criador lhe fizera: 



Nenhum amor seria de todo impossível.


Apressado, soltou mil beijos para a Lua e desapareceu mais cedo, correndo ao encontro de Deus para reclamar a realização de seu juramento: contou-lhe do amor, da saudade, da solidão e incompreensão.

Deus, conhecedor de todos os sentimentos, desceu a mão gentil sobre os cabelos do Sol e compadeceu-se de seu sofrer, presenciando as lágrimas ardidas e pesarosas do astro rei, abarrotadas de lembranças dos dias felizes ao lado de sua Lua.

O Criador recordou a promessa antes mesmo de o Sol fazê-lo, narrando como pensou em cumpri-la por todos os anos, sem conseguir realizar um plano possível às duas luzes mais importantes dos céus; solicitou mais paciência, pois Ele saberia o que fazer quando a hora fosse a certa. 

O Sol concordou, mas saiu abatido e sem esperanças para um novo dia.

A Lua continuou iluminando a noite, apesar de toda a saudade; o Sol clareava o dia, apesar de toda a tristeza.

As dores aumentaram tanto com o passar dos anos que o Sol ficou mais quente e a Lua mais fria.


Ambos perdiam as esperanças de um reencontro, de outro abraço e de outro carinho, pois os meses não traziam novidade e nem centelha de luz.

Com um tempo passado, porém, Deus chamou o Sol ao seu encontro e comunicou o seu grande plano: a Lua o encontraria no mais tardar do dia, unindo os seus corpos por algumas horas para que revivessem o amor e espantassem as saudades!

O Sol pulou de felicidade ao agradecer a Deus, transbordando de amor e alegria, emanando a mais forte luz e o mais gostoso calor.

Mal podia esperar para ver a Lua tão de pertinho!

Ela também foi avisada e preparou-se para o tão esperado reencontro…



Todo o céu parou para presenciar o fenômeno, afinal, o amor, tão bonito e infinito, ia preencher cada canto daquela imensidão azul.


O Sol, ao avistar a sua amada caminhando ao seu encontro, brilhou com uma intensidade nunca antes vista, cegando olhos desavisados.

A Lua enterneceu todos os corações e, quando finalmente os corpos se abraçaram, lágrimas de felicidade brotaram dos seus lindos olhos, pois a espera acabara e toda a saudade havia ido embora.

O amor aconteceu de novo e de maneira tão forte que nem todos suportaram a sua magnitude, deixando o céu para os dois namorados e para o sentimento que renascia.

Os olhares que aguentaram tamanha beleza contemplaram, admirados, o encontro do casal: apreciaram como voyeurismo e deixaram os enamorados envergonhados.




O Criador, percebendo tais olhares desinibidos, esperou para que a Lua e o Sol se alinhassem… e apagou as luzes do Universo.

Aos encontros entre o Sol e a Lua, Deus deu o nome de eclipse, pois significa ocultar, desaparecer, apagar, esconder.



Ainda que passageiramente, ainda que parcial ou totalmente, os encontros raros eclipsavam a saudade e os extensos anos de lonjura, fazendo com que os astros revivessem eternamente a beleza do amor.

Por mais que todo conto tenha um desfecho, o amor entre o Sol e a Lua é algo infindo.




Podem passar anos, séculos e eras… o bem-querer entre os dois, amantes para todo o sempre, jamais terá fim.

Porém, não feche os olhos ainda.


Quem nunca teve uma história assim?

Lindo e perfeito!

Porém, proibido.



Preciso contar-lhe que escrevi tudo isso para narrar outra história: 
a história de "nós dois".

Eu sou a Lua, você é o Sol.

A minha saudade é tão imensa que posso abraçar milhões de mundos sem preocupar-me em flexionar muito os braços.

O amor que sinto é grande demais para as palavras e, por isso, certas vezes, elas falham.

Quando você foi-se embora, por mais que o meu brilho iluminasse o caminho sozinho e que estrelas divinas fossem-me dadas, um pedaço de mim se ausentou.

Não consigo mais ver manhãs iluminadas.

Podem poetas escrever milhões de poemas, porém se as suas letras me faltam nenhuma palavra faz sentido.

Pode tudo haver, mas sem você nada.

Eu observo o amor de longe como a Lua observou o Sol.

Eu sou declarada, embora mal ouvida.

Você me cegou para a vida e eu necessito de sua luz para ver melhor.

Nenhum amor é de todo impossível e assim espero nosso eclipse como quem espera chover no sertão, com fé e paciência, com esperanças de que o amor possa vencer a escuridão.

Nenhum amor é de todo impossível. 


Nem o nosso.


O tempo parou em 1986... Lembra?!



Eliane de Pádua

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

SILÊNCIO INTERNO



Seja breve e preciso, já que cada vez que deixa sair uma palavra, deixa sair uma parte da sua energia.

Assim, aprenderá a desenvolver a arte de falar sem perder energia.

Pense no que vai dizer antes de abrir a boca.

Nunca faça promessas que não possa cumprir.


Não se queixe, nem utilize palavras que projetem imagens negativas, porque se reproduzirá ao seu redor tudo o que tenha fabricado com as suas palavras carregadas de energias.

Se não tem nada de bom, verdadeiro e útil a dizer, é melhor não dizer nada.

Aprenda a ser como um espelho: 
observe e reflita a energia.

O Universo é o melhor exemplo de um espelho que a natureza nos deu, porque aceita, sem condições, os nossos pensamentos, emoções, palavras e ações, e envia-nos o reflexo da nossa própria energia através das diferentes circunstâncias que se apresentam nas nossas vidas.

Identifica-se com o êxito, terá êxito.

Identifica-se com o fracasso, terá fracasso.

Assim, podemos observar que as circunstâncias que vivemos são simplesmente manifestações externas do conteúdo da nossa conversa interna.

Aprenda a ser como o universo, escutando e refletindo a energia sem emoções densas e sem preconceitos.

Porque, sendo como um espelho, com o poder mental tranquilo e em silêncio, sem lhe dar oportunidade de se impor com as suas opiniões pessoais, e evitando reações emocionais excessivas, tem oportunidade de uma comunicação sincera e fluída.

Não se dê demasiada importância, e seja humilde, pois quanto mais se mostra superior, inteligente e prepotente, mais se torna prisioneiro da sua própria imagem e vive num mundo de tensão e ilusões.

Seja discreto, preserve a sua vida íntima.



Desta forma libertar-se-á da opinião dos outros e terá uma vida tranquila e benevolente invisível, misteriosa, indefinível, insondável.

Não entre em competição com os demais, a terra que nos nutre dá-nos o necessário.

Ajude o próximo a perceber as suas próprias virtudes e qualidades, a brilhar.

O espírito competitivo faz com que o ego cresça e, inevitavelmente, crie conflitos. Tenha confiança em si mesmo.

Preserve a sua paz interior, evitando entrar na provação e nas trapaças dos outros.


Não se comprometa facilmente, agindo de maneira precipitada, sem ter consciência profunda da situação.

Tenha um momento de silêncio interno para considerar tudo que se apresenta e só então tome uma decisão.

Assim desenvolverá a confiança em si mesmo e a Sabedoria.

Se realmente há algo que não sabe, ou para que não tenha resposta, aceite o fato.

Não saber é muito incômodo para o ego, porque ele gosta de saber tudo, ter sempre razão e dar a sua opinião muito pessoal.

Mas, na realidade, o ego nada sabe, simplesmente faz acreditar que sabe.

Evite julgar ou criticar.


Seja imparcial nos seus juízos: 
não critica ninguém, tem uma compaixão infinita e não conhece a dualidade.

Cada vez que julga alguém, a única coisa que faz é expressar a sua opinião, e isso é uma perda de energia, é puro ruído.

Julgar é uma maneira de esconder as nossas próprias fraquezas.
O Sábio tolera tudo sem dizer uma palavra.

Tudo o que o incomoda “nos outros” é uma projeção do que não venceu em si mesmo.

Deixe que cada um resolva os seus problemas e concentre a sua energia na sua própria vida.

Ocupe-se de si mesmo, não se defenda.

Quando tenta defender-se, está a dar demasiada importância às palavras dos outros, a dar mais força à agressão deles.

Se aceita não se defender, mostra que as opiniões dos demais, não o afetam e que são simplesmente opiniões, e que não necessita de convencê-los para ser feliz.

O seu silêncio interno torna-o impassível.


Faça uso regular do silêncio para educar o seu ego, que tem o mau costume de falar o tempo todo.

Pratique a arte de não falar.

Tome algumas horas para se abster de falar.

Progressivamente desenvolverá a arte de falar sem falar, e a sua verdadeira natureza interna substituirá a sua personalidade artificial, deixando aparecer a luz do seu coração e o poder da sabedoria do silêncio.

Graças a essa força, atrairá para si tudo o que necessita para a sua própria realização e completa libertação.

Porém, tem que ter cuidado para que o ego não se infiltre…

O Poder permanece quando o ego se mantém tranquilo e em silêncio.


Se o ego se impõe e abusa desse Poder, este se converterá num veneno, que o envenenará rapidamente.

Fique em silêncio, cultive o seu próprio poder interno.

Respeite a vida de tudo o que existe no mundo.

Não force, manipule ou controle o próximo.


Converta-se no seu próprio Mestre e deixe os demais ser o que têm a capacidade de ser.




Eliane de Pádua



domingo, 20 de setembro de 2015

Uma Invasão Silenciosa


Na superfície da Terra exatamente agora há guerra e violência e tudo parece negro.


Mas, simultaneamente, algo silencioso, calmo e oculto está acontecendo e certas pessoas estão sendo chamadas por uma Luz mais elevada. 

Uma revolução silenciosa está se instalando de dentro para fora. 

De baixo para cima.

É uma operação global.

Uma conspiração espiritual.




Há células dessa operação em cada nação do planeta.

Vocês não vão nos assistir na TV.

Nem ler sobre nós nos jornais.

Nem ouvir nossas palavras nos rádios.

Não buscamos a glória.

Não usamos uniformes.



Nós chegamos em diversas formas e tamanhos diferentes.

Temos costumes e cores diferentes.

A maioria trabalha anonimamente.

Silenciosamente trabalhamos fora de cena, em cada cultura do mundo.

Nas grandes e pequenas cidades, em suas montanhas e vales.

Nas fazendas, vilas, tribos e ilhas remotas.

Você talvez cruze conosco nas ruas. 
E nem perceba...


Seguimos disfarçados.

Ficamos atrás da cena.

E não nos importamos com quem ganha os louros do resultado, e sim, que se realize o trabalho.

De vez em quando nos encontramos pelas ruas.

Trocamos olhares de reconhecimento e seguimos nosso caminho.



Durante o dia muitos se disfarçam em seus empregos normais.

Mas à noite, por trás de nossas aparências, o verdadeiro trabalho se inicia.

Alguns nos chamam de "O Exército da Consciência".


Lentamente estamos construindo um novo mundo, com o poder de nossos corações e mentes.

Seguimos com alegria e paixão.

Nossas ordens nos chegam da Inteligência Espiritual e Central.

Estamos jogando bombas suaves de amor sem que ninguém note: poemas, abraços, músicas, fotos, filmes, palavras carinhosas, meditações e preces, danças, ativismo social, sites, blogs, atos de bondade...

Expressamo-nos de uma forma única e pessoal, com nossos talentos e dons.


Sendo a mudança que queremos ver no mundo.

Essa é a força que move nossos corações.

Sabemos que essa é a única forma de conseguir realizar a transformação.

Sabemos que no silêncio e humildade temos o poder de todos os oceanos juntos.


Nosso trabalho é lento e meticuloso.

Como na formação das montanhas.

O amor será a religião do século 21.



Sem pré-requisitos de grau de educação.

Sem requisitar um conhecimento excepcional para sua compreensão.

Porque nasce da inteligência do coração,
escondida pela eternidade no pulso evolucionário de todo ser humano.


Seja a mudança que quer ver acontecer no mundo.

Ninguém pode fazer esse trabalho por você.

Nós estamos recrutando.

Talvez você se junte a nós ou talvez já tenha se unido.


Todos são bem-vindos.


A porta está aberta.





Eliane de Pádua

QUEM MENTE



Maria é uma moça comum, não fosse o fato de se dar muito bem com a sinceridade – tanto a dela, quanto a dos outros.

Ela tem como amiga inseparável a Verdade e não tem problemas em usá-la com quem quer que seja. 

Talvez, por isso, ninguém mais se aproxime dela. 

Maria é uma em um milhão (dado completamente sem embasamento teórico, obviamente).

Ela vai pela contramão, bate de frente com a mentira e não deixa a falsidade tomar forma.

Maria não sabe, mas nunca será compreendida.

É difícil para mim,assim como para Maria, entender a dificuldade que as pessoas têm em lidar com a sinceridade.

Essa, que deveria ser uma característica vinda de fábrica, se tornou um item raro de ser encontrado.

As pessoas, por medo de se mostrar ou de magoar, acabam optando pela criação de um personagem mais comedido, que pensa antes de falar e esconde fatos para agradar.

Mas se tornam da forma mais pejorativa que há verdadeiros mentirosos.



Os covardes justificam a falta de sinceridade pela falta também de coragem. 

Os sentimentais dizem não querer magoar o próximo. 

E há ainda os que dizem que tem hora certa para falar a verdade, mas essa hora nunca chega no relógio deles.

O fato é que, mentindo para os outros, mente-se para si próprio.

Ninguém consegue construir relações sólidas em cima de mentiras. 

Pois a verdade age com rapidez e, ainda que rude, acaba por fortalecer a relação.

A mentira não, essa engana, magoa, destrói e faz tudo isso em longos períodos, ficando maior a cada dia que passa.

Para ser sincera com alguém há que se ter muita coragem. 

Olhar no olho e falar na lata um segredo de anos ou uma situação recente, sem se preocupar em agradar, é um ato de extrema força. 

A mentira é que é para os fracos.



Há que se abrir mão do romantismo algumas vezes e contar para o companheiro determinado assunto que pode gerar conflitos.

Devem-se apontar erros, reconhecer deslizes e não passar a mão na cabeça todas às vezes.

Só quem se importa consegue falar a verdade, mesmo correndo o risco de magoar.

É assim também que se constrói uma amizade duradoura. 

Daquelas em que o indivíduo consegue levar broncas na brincadeira e ainda assim entender a mensagem. 

Colegas que se transformam em amigos precisaram, antes, ouvir muitas verdades do outro. 

É assim que se confia e cria laços.

Mas hoje parece que isso não importa, as relações estão cada vez mais superficiais e a mentira mais escancarada. 

As pessoas sabem que estão sendo enganadas e preferem assim. 

Como se só quem suportasse a mentira é que fosse digno de um relacionamento.

Os que agem diferente, como Maria – a sincera, tendem a ser odiados, visto como rudes e sem sentimento. 

Mas quem fala a verdade ama, quem fala a verdade confia e é digno de confiança.



A diferença é que quem fala a verdade, mesmo que sozinho, dorme com a consciência tranquila, estando seguro de suas ações e seus diálogos. 

Quem fala a verdade não se preocupa em agradar, pois sabe que só quem preza pela sinceridade é que vai entendê-la – e são essas as pessoas que valem à pena.

Quem fala a verdade não precisa guardar elogios na manga para soltar durante o dia. 

Quem fala a verdade elogia quem e quando merece, caso contrário, prefere ficar em silêncio a ter que fingir simpatia. 

Quem fala a verdade nem sempre é aplaudida, mas quando as palmas vêm, são sinceras. 

E no mesmo sentido, só prestigia quem acha que realmente merece.


Quem fala a verdade fica sozinha de início, é bem verdade, mas conta sempre com aquele que, no final, cansa da mentira que uma hora vem à tona.

Afinal, ela tem pernas curtas.

E a verdade, mesmo que malquista, acaba sempre aparecendo para todos. 

E quando isso acontece, os covardes usam de várias desculpas para se consertar. 

Muitos colocam a culpa na bebida alcoólica, outros dizem ser apenas uma piada e outros citam o estresse no trabalho como o causador das verdades gritadas e logo recuadas.

Então, pra você, covarde, que não tem coragem de segurar a bronca de uma verdade polêmica e está sem criatividade para desculpas, eu sugiro essa daqui: 
“Desculpa cara! Não fui eu, e sim meu eu lírico.”


Eliane de Pádua