Antes da existência de qualquer planeta, galáxia ou universo, antes de qualquer
vida ou espírito, dois astros vagavam pelas trevas, solitários e sem brilho.
Desconheciam outra existência.
Desaprendiam o sentir.
Andavam a esmo, incertos se os olhos
estavam abertos ou fechados, pois não havia luz.
Muitas vezes passavam perto um
do outro, incapazes de ouvir a pulsação de seus corações ou a respiração
ofegante de seus narizes.
Quase se tocaram.
Quase se esbarraram.
Quase se notaram…
Quase.
Em uma dessas vezes, porém, antes
mesmo do tempo existir, tropeçaram no vazio e bateram de frente.
Que surpresa!
Abriram os olhos e as bocas.
Tropeçaram nas próprias solidões.
Tropeçaram nas próprias solidões.
Logo se
conheceram, apertaram as mãos, admiraram-se e sorriram à presença um do outro.
Ela se chamava Lua.
O Sol era um homem bonito, apesar das pálpebras caídas e de algumas rugas perto
dos cantos dos olhos, o que não era de todo ruim, pois a Lua gostava.
A Lua também gostava dos seus longos
cabelos que, na ausência de luz, eram negros; porém, a verdadeira cor era castanha
com nuances de vermelho e laranja, um pouco de amarelo ali e um pouco de branco
acolá.
O Sol ria e a sua covinha no queixo
aparecia sob a barba.
A Lua adorava!
Ela se enamorava por cada detalhe, cada sorriso, cada toque e suspiro.
Ela se enamorava por cada detalhe, cada sorriso, cada toque e suspiro.
A Lua, por sua vez, era toda poesia.
Os seus grandes olhos furta-cores
abrangiam toda a beleza jamais vista. Os seus cílios curvavam-se para cima e
suas sobrancelhas sorriam junto com os seus lindos lábios vermelhos.
O Sol adorava as suas maçãs do rosto
e o jeito como suas bochechas enchiam-se de encantos cada vez que ela
gracejava. Ele gostava do nariz e da raiz do cabelo, das marcas em sua face e
dos dentes quase perfeitos. O Sol adorava as suas perfeições e imperfeições,
suas fases e fragilidades.
Mergulhados na escuridão e esquecidos de suas individualidades, o Sol e a Lua apaixonaram-se intensamente.
Mergulhados na escuridão e esquecidos de suas individualidades, o Sol e a Lua apaixonaram-se intensamente.
Deixaram para trás o deserto no qual
viviam e iluminaram o vazio com o primeiro sentimento bom de todo o universo: o
amor.
Não havia sentido em andar separado,
se podiam juntar as mãos e desbravar o grande escuro à frente.
Caminharam juntos por uma longa
eternidade e mais algumas eras… até que Deus olhou o grande vazio e pintou-o
com a sua aquarela.
Deus criou a Luz e separou-a das trevas.
Deus criou a Luz e separou-a das trevas.
O clarão que saiu de seus dedos deu
cor a todo o universo: a Lua ganhou um brilho cândido e terno, o Sol recebeu um
brilho intenso e amarelo.
O Sol, quando viu toda a meiguice da
Lua e enxergou seus belos traços à luz de sua luz, apaixonou-se novamente.
A Lua, de tão enamorada, foi a única
que conseguiu enxergá-lo e abraçá-lo através de tanto brilho.
O Sol e a Lua presenciaram a separação entre o céu e a terra, a criação das águas e da terra seca, dos seres verdes e dos oceanos.
O Sol e a Lua presenciaram a separação entre o céu e a terra, a criação das águas e da terra seca, dos seres verdes e dos oceanos.
Durante três dias, os dois dançaram
pelo novo universo, trocando juras de amor eterno e prometendo que nunca
soltariam as mãos.
No quarto dia, porém, Deus
avisou-lhes de seus planos: o Sol iluminaria o dia, a Lua clarearia a noite;
caberia aos dois à marcação dos dias, meses e anos de cada calendário, bem como
o auxílio aos seres que deles necessitassem; ambos reinariam absolutos no céu,
porém separados.
O Sol queimou de aflição e afundou-se
em suas cinzas ao ver sua amada sofrer.
Deus, triste, deu-lhes um tempo para
o adeus.
O último abraço do Sol e da Lua escureceu todo o universo, entristeceu as folhas e agitou as águas.
O último abraço do Sol e da Lua escureceu todo o universo, entristeceu as folhas e agitou as águas.
A existência conheceu, pela primeira
vez, a desesperança e a saudade, sentimentos criados pelo sofrimento daquela
despedida.
Parte da Lua tornou-se escura como a
solidão e o Sol perderam todo esplendor que ostentava.
Nenhum abraço foi tão triste quanto
este.
O último beijo roubou o perfume das
flores e a fertilidade das terras, pois o Sol chorou e as suas lágrimas
incendiaram o chão.
Deus, apesar de deprimido, não voltou
atrás na decisão: colocou-os em seus devidos lugares e os abençoou.
Antes de amanhecer, porém, o Sol orou para que a Lua não ficasse sozinha, pois ela era frágil e não suportaria; Deus, piedoso, criou as estrelas para alegrá-la, prometendo que nenhum amor seria de todo impossível.
Antes de amanhecer, porém, o Sol orou para que a Lua não ficasse sozinha, pois ela era frágil e não suportaria; Deus, piedoso, criou as estrelas para alegrá-la, prometendo que nenhum amor seria de todo impossível.
A Lua, acompanhada de suas estrelas, alumiava as noites, tentando esconder as fraquezas denunciadas por suas fases: algumas vezes era feliz; outras, triste.
O Sol, o astro rei, exibia seu esplêndido brilho e emanava calor a quem precisasse, porém sentia-se perdido e invisível, pois somente os olhos da Lua aguentavam o seu fulgor.
A saudade era indizível, impossível de ser traduzida em palavras, e o Sol e a Lua sentiam-se sós e tristes como se as rosas jamais tivessem povoado a Terra e exalado os seus perfumes pelo ar.
Durante os longos e longos anos de separação, eles até tentaram esquecer um ao outro: o Sol, embora fosse insuportável a diferentes olhos, paquerava algumas nuvens faceiras e outras musas celestes, apesar de o seu coração clamar pela criatura mais linda de todas; a Lua, enciumada, enfeitava-se toda de amor e formosura, conseguindo todos os amantes desejados, nenhum, porém, fazendo-a tão feliz quanto o seu astro rei.
A saudade era tão dolorida que eles
tentavam burlar as regras do firmamento.
Certos dias, a Lua subia mais cedo ao
céu para vislumbrar o Sol, ainda que de longe.
Os dois fingiam dançar juntos,
esquecendo todos os amores e relembrando os dias em que podiam caminhar lado a
lado.
Outras vezes, o Sol renascia antes
que a Lua dormisse e pedia que as nuvens amigas acariciassem a face tenra da
sua amada, pois não podia correr para abraçá-la.
O que é a saudade aqui da Terra se
comparada com a do Céu?
As nuvens ainda espalhavam o perfume
da Lua pela Via Láctea para que o Sol o sentisse até o seu último suspiro do
dia.
Como doía o amor distante!
Em um desses dias em que ambos quebravam as leis do céu, no entanto, enquanto preparava-se para iluminar a outra face da terra e vislumbrava sua amada uma última vez, o Sol relembrou a promessa que o Criador lhe fizera:
Nenhum amor seria de todo impossível.
Em um desses dias em que ambos quebravam as leis do céu, no entanto, enquanto preparava-se para iluminar a outra face da terra e vislumbrava sua amada uma última vez, o Sol relembrou a promessa que o Criador lhe fizera:
Apressado, soltou mil beijos para a
Lua e desapareceu mais cedo, correndo ao encontro de Deus para reclamar a
realização de seu juramento: contou-lhe do amor, da saudade, da solidão e
incompreensão.
Deus, conhecedor de todos os sentimentos,
desceu a mão gentil sobre os cabelos do Sol e compadeceu-se de seu sofrer,
presenciando as lágrimas ardidas e pesarosas do astro rei, abarrotadas de
lembranças dos dias felizes ao lado de sua Lua.
O Criador recordou a promessa antes
mesmo de o Sol fazê-lo, narrando como pensou em cumpri-la por todos os anos,
sem conseguir realizar um plano possível às duas luzes mais importantes dos
céus; solicitou mais paciência, pois Ele saberia o que fazer quando a hora
fosse a certa.
O Sol concordou, mas saiu abatido e sem esperanças para um novo dia.
O Sol concordou, mas saiu abatido e sem esperanças para um novo dia.
A Lua continuou iluminando a noite,
apesar de toda a saudade; o Sol clareava o dia, apesar de toda a tristeza.
As dores aumentaram tanto com o
passar dos anos que o Sol ficou mais quente e a Lua mais fria.
Ambos perdiam as esperanças de um reencontro, de outro abraço e de outro carinho, pois os meses não traziam novidade e nem centelha de luz.
Ambos perdiam as esperanças de um reencontro, de outro abraço e de outro carinho, pois os meses não traziam novidade e nem centelha de luz.
Com um tempo passado, porém, Deus
chamou o Sol ao seu encontro e comunicou o seu grande plano: a Lua o
encontraria no mais tardar do dia, unindo os seus corpos por algumas horas para
que revivessem o amor e espantassem as saudades!
O Sol pulou de felicidade ao
agradecer a Deus, transbordando de amor e alegria, emanando a mais forte luz e
o mais gostoso calor.
Mal podia esperar para ver a Lua tão
de pertinho!
Ela também foi avisada e preparou-se
para o tão esperado reencontro…
Todo o céu parou para presenciar o fenômeno, afinal, o amor, tão bonito e infinito, ia preencher cada canto daquela imensidão azul.
Todo o céu parou para presenciar o fenômeno, afinal, o amor, tão bonito e infinito, ia preencher cada canto daquela imensidão azul.
O Sol, ao avistar a sua amada
caminhando ao seu encontro, brilhou com uma intensidade nunca antes vista,
cegando olhos desavisados.
A Lua enterneceu todos os corações e,
quando finalmente os corpos se abraçaram, lágrimas de felicidade brotaram dos
seus lindos olhos, pois a espera acabara e toda a saudade havia ido embora.
O amor aconteceu de novo e de maneira
tão forte que nem todos suportaram a sua magnitude, deixando o céu para os dois
namorados e para o sentimento que renascia.
Os olhares que aguentaram tamanha
beleza contemplaram, admirados, o encontro do casal: apreciaram como voyeurismo e
deixaram os enamorados envergonhados.
O Criador, percebendo tais olhares
desinibidos, esperou para que a Lua e o Sol se alinhassem… e apagou as luzes do
Universo.
Aos encontros entre o Sol e a Lua,
Deus deu o nome de eclipse, pois significa ocultar, desaparecer, apagar,
esconder.
Ainda que passageiramente, ainda que
parcial ou totalmente, os encontros raros eclipsavam a saudade e os extensos
anos de lonjura, fazendo com que os astros revivessem eternamente a beleza do amor.
Por mais que todo conto tenha um desfecho, o amor entre o Sol e a Lua é algo infindo.
Por mais que todo conto tenha um desfecho, o amor entre o Sol e a Lua é algo infindo.
Podem passar anos, séculos e eras… o
bem-querer entre os dois, amantes para todo o sempre, jamais terá fim.
Porém, não feche os olhos ainda.
Quem nunca teve uma história assim?
Lindo e perfeito!
Porém, proibido.
Porém, não feche os olhos ainda.
Quem nunca teve uma história assim?
Lindo e perfeito!
Porém, proibido.
Preciso contar-lhe que escrevi tudo
isso para narrar outra história:
a história de "nós dois".
a história de "nós dois".
Eu sou a Lua, você é o Sol.
A minha saudade é tão imensa que
posso abraçar milhões de mundos sem preocupar-me em flexionar muito os braços.
O amor que sinto é grande demais para
as palavras e, por isso, certas vezes, elas falham.
Quando você foi-se embora, por mais
que o meu brilho iluminasse o caminho sozinho e que estrelas divinas fossem-me
dadas, um pedaço de mim se ausentou.
Não consigo mais ver manhãs
iluminadas.
Podem poetas escrever milhões de
poemas, porém se as suas letras me faltam nenhuma palavra faz sentido.
Pode tudo haver, mas sem você nada.
Eu observo o amor de longe como a Lua
observou o Sol.
Eu sou declarada, embora mal ouvida.
Você me cegou para a vida e eu
necessito de sua luz para ver melhor.